Agora: Projecções ou previsões

Que país, que mundo, irão encontrar dentro de quinze ou vinte anos os miúdos que agora frequentam o 6º ou o 7º ano da escolaridade obrigatória?

Serão então homens e mulheres adultos na casa dos trinta anos, alguns já com filhos menores e muitos com cursos superiores e um acumulado de formações que ultrapassarão os dois decénios. Os seus progenitores estarão a aproximar a idade da reforma e saberão que irão encontrar pensões de velhice inferiores às dos seus predecessores.

A paisagem política que viverão no país em que nasceram será provavelmente bem diferente daquela que hoje conhecemos, embora se continue a falar de democracia e os portugueses celebrem ritualmente a data fundadora de 25 de Abril. Mas a classe política e os mass media locais andarão principalmente ocupados com as inaugurações e os festejos dos “Nove Séculos da Nação Portuguesa”, em estado de preparação já bastante avançado.

Os anteriores partidos dominantes do “bloco central” sofreram acentuadas perdas e revisões dos seus programas, perante as investidas de forças radicais de uma e outra banda do espectro político, principalmente dos populistas e nacionalistas de direita. Mas se dos velhos comunistas ficou somente uma referência histórica e a tradicional festa do Avante, a restante opinião “estatista” e anti-americana reagrupou-se, continuando a reivindicar novos direitos e a justificar maior despesa pública. Porém, praticamente toda a representação partidária alinha no “Portugal é bom, é único e é o meu” – um dos slogans com mais sucesso inventado nos últimos tempos, com o aproximar do novo “centenário”.

Finalmente, o aeroporto de Alcochete lá acabou por ser construído, embora a segunda pista ainda esteja à espera de ser activada. Dizem que será para 2040, embora uma legião de críticos desmonte essa opção argumentando que será mais um “buraco financeiro” e lastimando que, devido à crise e à baixa do turismo, se não tivesse optado antes pelo Montijo e mantido a vantagem de um aeroporto dentro da cidade. Mas o facto é que, com diversos incentivos da Europa e sobretudo capitais de investidores privados estrangeiros, as “grandes obras” do tempo de Sócrates acabaram por ser quase todas realizadas, mormente a terceira travessia do Tejo e as ligações ferroviárias de alta velocidade de Lisboa para Madrid, o Porto e Vigo. O “nacionalismo” dominante nos discursos convive bem com o domínio de grandes empresas estrangeiras, nestes e noutros projectos menos “espectaculares”, como o do lítio para baterias e o do hidrogénio para a produção de electricidade.

Entretanto, a União Europeia reconfigurou-se numa mera “Confederação de Estados Europeus” onde a Inglaterra (já sem a Escócia e o Ulster) também ocupou o seu lugar e o Banco Central Europeu deu lugar a um “joint agreement for currencies and changes” que também financia alguns projectos nacionais e programas à la carte, sobretudo no domínio da “transição energética”. Foi neste âmbito que Sines pôde alargar o seu porto-de-águas-profundas para recepção e transbordo de GNL, de que exporta alguma coisa para Espanha (via gasodutos) mas não conseguiu impor-se no abastecimento da Europa central, batidos que fomos nessa corrida pela Espanha, a França, a Itália e a própria Alemanha.

Finalmente, e por meras razões de economia orçamental, o Parlamento Europeu deixou Estrasburgo e reúne agora exclusivamente em Bruxelas. Para aproveitar a infraestrutura e o simbolismo do lugar, a sede da OSCE – que foi entretanto revigorada – mudou-se para Estrasburgo, onde se juntou ao Conselho da Europa.

Contudo, o “enquistamento” da Europa (relativamente às perspectivas mais integracionistas-federalistas) não pôs em causa a liberdade de trocas comerciais, de serviços e de capitais através das fronteiras, nem a liberdade de circulação dos cidadãos autóctones. Os primeiros destes fluxos continuaram a crescer, embora em ritmos muito mais brandos, apesar do contributo dos novos mercados criados pela reconstrução de um país como a Ucrânia e, numa parte importante, pela modernização das infraestruturas energéticas europeias, fortemente prejudicadas pelas crises dos anos 20 e relançadas pelas decisões de emergência então tomadas pelos diversos governos para travar os efeitos devastadores das mudanças climáticas, sobretudo em termos de seca/pluviosidade, temperaturas e fenómenos extremos. Portos, oleodutos e gasodutos, centrais eléctricas alimentadas por energias nuclear, fotovoltaica, eólica e outras (o hidrogénio?) foram realizações que têm, até agora, sustentado o crescimento económico dos maiores países europeus, embora a produção de maquinismos (automóveis e aviões incluídos) tivesse continuado a bom nível. Aos outros, mais pequenos, restou-lhes conseguir alguma participação pontual nesses projectos, ou então participar na criação de valor nas áreas dos serviços e tecnologias ciber, porém aqui submetidos a larga concorrência mundial, incluindo da parte de alguns países com pesados lastros de populações pobres (e, nesse sentido, mais necessitados desse apport do que os ocidentais).

Com todas estas perturbações e um controlo financeiro/monetário mais titubeante, a riqueza de que beneficiavam os cidadãos europeus sofreu forte contenção e mesmo declinou para largas populações da anterior “classe média”. Os idosos pensionistas – também óbvias vítimas preferenciais das doenças pandémicas que se foram sucedendo ao Covid-19 – têm vindo a sofrer particularmente destas consequências sem outros meios de defesa que não o de votar nos demagogos mais em vista, que geralmente ainda concorrem para piorar as situações. Os jovens menos qualificados (académica e profissionalmente) só lograram a emigração e a itinerância por países mais afortunados da Europa como recurso para a precariedade dos poucos empregos que podiam alcançar. Mas aí também se chocaram com os jovens “não-brancos” que, vindos das diversas partidas do mundo, teimavam em procurar “no Ocidente” esses trabalhos duros e mal pagos, mas que eles aceitavam sem hesitação. Tem havido casos de conflitos e violências entre estas diversas comunidades, com vários governos europeus a aproveitar a oportunidade para afirmar o seu “nacionalismo”, tornando mais difícil a vida dos expatriados longínquos. Mas, verdade seja que o angustiante “cerco migratório” à Europa também abrandou, com a perda visível do seu dinamismo económico nos últimos vinte anos. O capitalismo tornou-se verdadeiramente apátrida e internacional, abrigando-se onde pode e onde lhe convêm as condições para o seu exercício, que tanto podem ser “paraísos fiscais” como pequenos países, nas mais diversas latitudes, ou então em alguma cidade da gigantesca China ou da também enorme Índia. O potencial demográfico fixou-se, de facto, como um activo geoestratégico fundamental, obrigando a Europa a rever as suas políticas de acolhimento de novos trabalhadores externos e (por vezes a contragosto) os seus processos de integração socioculturais.

Com efeito, nas décadas de 20 e 30 do terceiro milénio terá abrandado a circulação mundial de pessoas (efémera, turística ou migratória), e até o crescimento demográfico global, mas não o comércio internacional e, muito menos ainda, a conectividade e as trocas comunicacionais universais. Com o empobrecimento relativo das populações “do Ocidente” travou-se um pouco o consumismo de produtos caros e alguns dos nossos desperdícios, até porque aumentou muito a reciclagem e as pequenas “economias circulares”. A aviação sofreu alguma coisa com esta evolução e as medidas anti-poluição, transferindo parte dos seus mercados de passageiros para o sector das cargas. Por seu lado, o transporte marítimo continuou a não resistir às vantagens económicas do gigantismo, sofrendo em contrapartida alguns clamorosos desastres, que as técnicas de navegação e o weather forescasting não conseguiram evitar.

A despeito de tudo isto, os objectivos de controlo da “crise climática” para 2050 quase certamente não serão atingidos. A floresta Amazónica continuou a ser devastada. Os fenómenos meteorológicos “extremos” prosseguiram e a nova Agência da ONU para cuidar destas questões tem sido impotente para impor regras aos Estados nacionais mais poderosos, alguns dos quais deixaram, pura e simplesmente, de lhe prestar atenção e de pagar as suas contribuições, correndo em tribunais os processos de expulsão ou de sanções desde há vários anos.

Embora com atrasos em relação às previsões e estimadas necessidades de regeneração climática, o transporte automóvel tem vivido acentuadas alterações quanto aos combustíveis utilizados e ao seu uso em espaços urbanizados, graças a medidas draconianas de interdição, a uma melhor oferta dos transportes públicos e às atitudes sociais das populações mais novas e escolarizadas (que desde criança recebem todo o tipo de mensagens nesse sentido). As “válvulas de escape” deste género de doutrinação têm-se por agora concentrado em certos desregramentos comportamentais colectivos (como ocorrem por vezes em enormes concentrações de espectadores) ou individuais (tocando às experimentações sensoriais ou às relações com o mundo natural, animal ou não). Não por acaso, os espectáculos desportivos e musicais “de massas” e transmitidos em directo pelos vários media continuaram a ter sucesso garantido, apesar dos excessos, descontrolos e violências a que frequentemente dão lugar. Mas o “leite derramado” então sobre estas funestas consequências é logo avidamente aproveitado pelos mesmos media para continuarem insistindo nos mesmos temas e na mesma “agenda ideológica” que os suporta. Também no mundo e em Portugal se multiplicaram os concursos competitivos, as disciplinas, provas e modalidades lúdicas, os mais variados awards e as espectaculares cerimónias de celebração dos vencedores segundo o modelo hollywoodesco, da subida ao podium ou do erguer da taça dos campeões. Novos “Ases” dos Estádios têm surgido, com façanhas e registos extraordinários, mas também por força da proliferação de “distâncias” com idênticas exigências de esforço atlético, que os mesmos conseguem realizar com vistosa acumulação de “ouros”.

Mas houve notícias que correram o mundo, surpreendendo mesmo as opiniões públicas mais bem informadas: foi o caso da condenação em justiça da National Rifle Association por provadas ilegalidades na venda de armas; da chegada de uma mulher à presidência da Rússia (Ivanova … “qualquer coisa difícil de pronunciar”); da ocorrência dramática de mortes de idosos internados em Lares, que abalou as consciências e levou vários países ocidentais a reverem os seus dispositivos para este setor social; de algumas das mais conhecidas universidades terem abolido os tradicionais fatos académicos em cerimónias protocolares, havendo mesmo quem discuta se os professores não deverão ser sujeitos a plebiscito prévio pelo seus alunos; e do anúncio pelo Vaticano de que estaria a preparar um novo Concílio onde poderiam ser discutidos o celibato dos padres e a ordenação de mulheres.

As atitudes sociais das “classes médias”, particularmente dos seus segmentos etários mais novos, não mudaram essencialmente nos últimos vinte anos. O individualismo continuou a afirmar-se nos quotidianos urbanos, incluindo em interessantes iniciativas para melhoria da sua “qualidade de vida”, mas também – simultaneamente – no desrespeito e desprezo por tudo e todos os que não partilham das suas convicções identitárias/comunitárias. Assim florescem excelentes projectos locais, cibernéticos/internacionais ou de regresso ao naturalismo rural, com capacidade reprodutiva ou exemplificativa, mas quase sempre de vida curta, que dura apenas o tempo que “motiva” os seus promotores. Apesar disto, os partidos ecologistas têm progredido por toda a parte, agarrando os temas (e são tantos…) que mais lhes interessam mas não alcançando um enraizamento seguro nos sistemas políticos democráticos em que actuam. Segundo certos analistas, falta-lhes o cimento agregador de uma formulação política e institucional adequada aos tempos que vivemos, não sendo bastante a sua ideologia crítica do progresso industrial e muito fixada nos “direitos ambientais”.

Assim como as Declarações das revoluções americana e francesa marcaram os dois séculos que se seguiram, pode agora perguntar-se: Será necessária uma nova Constituição Política para o “governo do mundo”? A investigação científica continuou a progredir das décadas de 20 e 30 deste século, principalmente nos domínios das biociências e das tecnologias de robotização e inteligência artificial. Mas as chamadas ciências sociais e humanas parecem ter estagnado, atravessadas por querelas internas ou clivagens ideológicas que pouco ajudam à compreensão do mundo e ainda menos à melhoria das suas condições para a vida humana. 

O bloco da “Organização para a Cooperação de Xangai”, revitalizado a partir de 2022, a despeito de algumas claras diferenciações e divergências internas, cristalizou-se em oposição geoestratégica relativamente ao “Ocidente” (se assim continuarmos a chamar ao conjunto de países com regimes democráticos que são o Reino Unido, o Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia e, apesar os seus abanões internos, o agregado da Europa e principalmente os Estados Unidos). Mesmo querendo fugir aos sempre redutores jogos-de-palavras, o referido bloco “de oposição” – substancialmente constituído pela China, a Rússia e a Índia, a que se juntou  o Irão, a Turquia e o Egipto (ainda que apenas como observadores), além de outros países da Ásia Central e da península indo-chinesa – pôde com razão ser apelidado de nacional-comunista: nacional, porque, apesar dos mecanismos de cooperação que instituiu, cada Estado se manteve estritamente aferrado aos domínios territoriais internacionalmente reconhecidos (evitando assim eventuais elementos de desagregação interna e permitindo-lhes permanecer no âmbito da Carta da Nações Unidas); e comunista, devido aos métodos autoritários de governação que, cada vez mais, foram sendo efectivados, às vezes com eleições apenas legitimadoras mas sempre com repressão sobre os oposicionistas, sem imprensa livre nem justiça independente. Quanto ao anti-capitalismo que caracterizara os primórdios destas ideologias (como de resto na pureza islamita), foram vapores que se esfumaram perante o realismo económico e monetário.   

Depois das desastradas intervenções dos “ocidentais” no Médio-Oriente (Iraque, Afeganistão, Síria, etc.), todo esse enorme espaço geoestratégico da Ásia e dos oceanos limítrofes ficou sob o controlo dos superiores interesses da China, afirmados sobretudo no plano económico. O que também nos valeu a manutenção de uma relativa “paz mundial”. Resta saber o que trará a nova e próxima “unipolaridade”, agora centrada no antigo “império do meio”.

A “terceira força” potencial que representa o mundo árabe produtor de petróleo, só à distância tem seguido esta evolução mundial, apesar do peso do seu capitalismo e da penetração capilar que logrou no mundo empresarial ocidental (um pouco também no sudoeste asiático). Isto porque nunca conseguiu superar as fraquezas da divisão e da traição que parecem estar inscritas na sua cultura secular.

Os conglomerados regionais de África e da América Latina têm-se mantidos expectantes e não especialmente alinhados com um ou outro dos grandes blocos. O que também tem facilitado, se não estimulado, convulsões graves em alguns destes países e conflitos inter-étnicos ou inter-estatais, todos eles com populações sofrendo de dificuldades de abastecimento alimentar, desemprego, efeitos da sub-urbanização descontrolada e lutas renhidas nas elites pelo controlo dos poderes nacionais.

Mas o sentimento de insegurança também permaneceu vivo em muitos países da Europa, no seguimento da guerra lançada pela Rússia contra a Ucrânia, e não apenas na zona de fronteira do Leste. A ameaça do uso de armas nucleares “tácticas” tornou-se corrente e esteve por vezes quase a acontecer. Os atentados terroristas voltaram a ocorrer em vários países e alguns conflitos intranacionais agudizaram-se, quer por efeito de reivindicações autonomistas, quer por enfraquecimento dos consensos referentes a regimes monárquicos hereditários, como aconteceu em Espanha, na Bélgica e no Reino Unido. Reis com alguma aquiescência popular restringem-se agora a escassos países do norte da Europa. Em contrapartida, aumentou o número de repúblicas “presidencialistas”, umas amparadas pelo exemplo francês, outras mais por influência dos ventos do Leste. Enquanto isso, a Turquia afirmou-se cada vez mais como uma potência regional capaz de impor certos interesses próprios à Europa, ao “Ocidente” e à Rússia, ao mesmo tempo que “colonizava” uma parte do Próximo-Oriente, enfrentando directamente Israel, o regime Saudita e o Irão, e agindo mesmo sobre o norte de África por interpostas pessoas: o Egipto e os governos do Magrebe, apesar do insistente esforço de aliciamento ocidental de que estes têm sido alvo.

Neste contexto regional, Portugal tem conseguido “sobreviver” com adequadas políticas externas para com Marrocos, a Argélia e os vizinhos Espanhóis e Franceses (sem esquecer os parceiros mais longínquos), ao mesmo tempo que tem podido valorizar a sua presença Atlântica. Mas talvez na próxima conjuntura seja capaz de superar os seus persistentes factores de bloqueio internos.

JF / Com um aceno neste Equinócio de 23 de Setembro de 2022

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